O que lemos nos rankings de inovação

rpt.estratégia
8 min readAug 20, 2019

Já demos exemplos aqui sobre o papel da inovação para posicionar o real impacto positivo dos negócios. Grandes players têm mostrado interesse nesse caminho, entendendo a resolução de desafios globais como drive de inovação e sustentabilidade para os negócios. O ranking de Global Innovation 1000 Study da Pwc mostra a liderança da Amazon nesse quesito, e revela concorrência das empresas de tecnologia com automobilísticas e farmacêuticas para o status de mais inovadora. Num espectro paralelo, o ranking de percepção de liderança em Sustentabilidade, no estudo feito pela GlobeScan, aponta — pela primeira vez em 10 anos — queda da Unilever, ainda lá do topo.

O que essas listas oferecem, na maior parte das vezes, é uma leitura sobre o que tem sido mais valorizado pelo mercado e pelos especialistas. As empresas de tecnologia, software e serviços são extremamente intensivas em inovação e — já não é novidade — se diferenciam pelas altas margens e pela geração de valor intangível (p.e. marca, expectativas dos clientes, ativo intelectual). Por outro lado, a percepção de especialistas sobre as empresas “mais sustentáveis” (entre aspas, para não ser categórico) está naquelas que já possuem alguma trajetória em torno do tema, com compromissos e metas mais claros e que já introjetam seu papel socioambiental como um atributo de marca. Não por acaso aparecem na lista empresas de bens de consumo, cosméticos e alimentos. Unilever, Patagonia, Ikea, Natura, Danone, Nestlé e Marks & Spencer aparecem na lista há 8 anos.

O GlobeScan Sustainability Leaders tem dado mostras de que os especialistas se acostumaram a pensar em determinadas empresas como líderes em sustentabilidade, alternando entre elas a posição de runners-up nos últimos 10 anos (a vantagem da Unilever na liderança ainda é grande, mas teve a sensível queda de 12 pontos percentuais, muito provavelmente em função da saída de Paul Polman do comando da empresa). Isso demonstra uma ótima oportunidade para setores intensivos nos investimentos de inovação para direcionarem esforços na resolução de problemas globais e serem mais arrojados na tratativa dessas soluções como atributo de marca. Estamos falando, por exemplo, do papel do setor automotivo em relação às mudanças climáticas; de desafios de acesso a medicamentos e transparência na rastreabilidade e na aplicação de testes que a indústria farmacêutica já lida há anos; e também da clareza com que as empresas de tecnologia conseguirão demonstrar que é parte da solução nas questões de privacidade e que está ao lado da humanidade no desafio ético que as novas tecnologias têm apresentado.

A inovação nos carros e nos frascos

Os compromissos do setor automobilístico em torno de eletrificação e mobilidade (incluindo os carros autônomos e micromobilidade) dão pistas de um caminho sem volta, onde a percepção sobre quais estão mais alinhadas à sustentabilidade recai sobre Tesla, Toyota e Tata (sobretudo regionalmente). O episódio do Dieselgate envolvendo a Volkswagen a impede de figurar o ranking de sustentabilidade, embora seu investimento em P&D seja o mais alto do setor (também é a companhia que lidera o ranking de vendas) — talvez buscando justamente dar resposta ao caso de fraude nas emissões, vemos um posicionamento arrojado do grupo alemão, inclusive através da aliança mundial com a Ford no espectro dos carros elétricos e autônomos.

Uma recente publicação da Fast Company elegeu os chassis elétricos da empresa Motiv como uma das “soluções vencedoras que podem salvar o planeta”, na categoria de Transporte. A empresa californiana se firmou em 2017 como parceira da Ford e lançou a linha de chassis EPIC (Eletric Powered Intelligent Chassis), com foco em caminhões e ônibus. Segundo a empresa, o payback do uso do chassi elétrico em 2 ou 3 anos, já que o custo do consumo de combustível cai cerca de 85%.

As razões apresentadas pela Motiv para o uso de seu chassi elétrico. Imagem: Motivps.com

Aplicando tecnologia semelhante aos carros de passeio, a Volkswagen pretende fazer seu “skate elétrico” a plataforma para diversos carros elétricos do mercado, com expectativa de que este se torne o padrão setorial. O sistema chamado MEB (Modularer Elektrifizierungsbaukasten) permite que sejam instaladas baterias maiores, com ganho de autonomia e espaço para os veículos. A tecnologia integra não só a solução da bateria em si (potência, peso e eficiência) mas também os aspectos eletrônicos, que tratam dos recursos de informação, segurança e entretenimento do carro. Em parceria com a Microsoft, a Volks deve acoplar ao MEB o Automotive Cloud, plataforma de computação em nuvem que promete conectividade em rede para os carros.

novo chassi da Volkswagen é a aposta para competir no mercado de veículos elétricos. | Fonte: Valor

A parceria entre Volkswagen e a Ford reforça a escalabilidade do modelo frente aos demais grupos, sobretudo no enfrentamento à Tesla. A Volks é também a montadora que tem aportado mais investimento nos elétricos atualmente (anunciou plano de €30 bi de euros em cinco anos) e também a que mais tem colocado recursos em inovação — é a terceira colocada no rankinkg da Pwc, com US$15.8 bi aportados só em 2018, o que representa 5.7% de sua receita.

O ranking do Global Innovation 1000 (Pwc) leva em conta 6 características para classificar os chamados High-leverage Innovators:

1. alinhamento entre a estratégia de inovação e a estratégia do negócio; 2. amplo apoio à inovação na cultura; 3. liderança intimamente envolvida com o programa de inovação; 4. inovação baseada em insights dos usuários finais; 5. rigoroso controle na seleção de projetos; e 6. habilidade de integrar todas as características. — tudo bem resumido neste vídeo e neste artigo.

Entre as 25 empresas mais inovadoras, vemos um peso importante das farmacêuticas, dada a intensidade em P&D (percentual gasto em pesquisa e desenvolvimento sobre a receita) o e a robustez dos processos de inovação nesse setor. São oito delas, com liderança da Roche AG.

As mais inovadoras no ranking. Fonte: The 2018 Global Innovation 1000 study, em strategy&.pwc

Conforme mencionado, o setor farmacêutico também não está tão presente nos rankings de sustentabilidade quanto nos de inovação (exceção à Novo Nordisk, que figurou o Sustainability Leaders nos anos 2000 e ainda reserva esforços para a economia circular). É interessante que a líder em inovação tenha sido reconhecida como a mais sustentável no setor pelo Dow Jones Sustainability Index (DJSI) de 2018 — best in class num importante índice das empresas de capital aberto. Na Roche AG parece haver forte sintonia entre sustentabilidade e os temas relevantes do setor, que tratam do negócio. Há um forte senso de propósito na companhia, que evidencia que seu impacto primário está no desenvolvimento de medicamentos e diagnósticos que melhores significativamente a vida das pessoas. A transparência sobre o portfólio de P&D, neste sentido, é algo a ser destacado e o site da empresa oferece um pipeline bem estruturado e atualizado sobre o que tem sido trabalhado.

Product Development Porfolio da Roche AG. Fonte: site da empresa

Por curiosidade, se olhamos para as empresas mais importantes em termos receita presentes no estudo, temos 16 das 25 maiores pertencentes à indústria do petróleo (energia e automobilística): China Petroleum, PetroChina e Shell lideram, com Volks e Toyota, em quarto e quinto, além de Exxon Mobil e BP plc. fechando o top 7. Isso sugere um certo vale entre a transição energética supracitada e a concentração de poder e capital que os dois modelos possuem. Podemos ser mais otimistas com o engajamento das empresas, mas não ingênuos de que o domínio continuará, provavelmente, entre os mesmos players.

As maiores (receita) no ranking — ranqueamento na oitava coluna. Fonte: The 2018 Global Innovation 1000 study, em strategy&.pwc
Imagem: Energy Vault. A empresa é uma dos ganhadores do Prêmio 2019 World Changing Ideas da Fast Company.

Afinal, quem é o concorrente?

A Indian Tata Power possui um projeto bastante inovador para estocagem de energia em parceria com a empresa Energy Vault. A empresa usa guindastes movidos a energia renovável para levantar tijolos gigantes em uma torre. Quando o sol não está brilhando ou o vento não está soprando, abaixar os tijolos cria uma nova energia, trazendo uma solução para os altos custos de armazenagem de energia. Embora a Tata Motors seja apenas uma empresa no Grupo, vale entender que há um posicionamento de transição energética dentro do setor automotivo, onde as montadoras competem não apenas com “montadoras-puras” mas também com empresas de energia. A montadora indiana “bebe direto na fonte” quando demonstra ter um ativo de inovação energética tão ousado dentro da holding.

Transformação digital e suas aplicações

Se por um lado a Amazon se destaca como grande plataforma de mercado, com uso intenso de tecnologias e projetos de inovação bastante ousados, uma outra norte-americana é quem aparece como World Changing Company of the Year em 2018, pela mesma publicação acima citada, da Fast Company. A IBM foi reconhecida pela FC pela forma surpreendente com que tem aplicado seu know-how tecnológico em vários projetos da empresa (ou financiados/ acelerados por ela). A empresa não está presente no estudo da Pwc.

O Project Debater promete um sistema de IA que debate com humanos em assuntos complexos. | Fonte: IBM AI Research

Entre os temas trabalhados por esses projetos estão: uma solução para restabelecimento de conexão em áreas afetadas por desastres; que ocorre com o lançamento de pequenas bolas de borracha por drones, que criam uma rede wi-fi e capturam informação no seu entorno (Call for code competition, Project Owl); um programa de transparência na cadeia de suprimentos agrícola (Food Trust); e uma inteligência artificial que pode debater com as pessoas com argumentos reais e leitura de dados (Project Debater) e aprendizagem sobre a ‘arte do debate’. Podemos dizer que todos os temas trabalhados pela IBM estão no espectro dos desafios globais: cenário de áreas devastadas num ambiente onde desastres climáticos serão mais rigorosos e constantes; necessidade de rastreabilidade dos alimentos, num mundo em que a insegurança alimentar passa a ser mais percebida; movimento de contra-ataque às fake news, com a inserção de computadores que adicionam informações mais precisas ao debate humano.

Reunindo cases e experiências interessantes das empresas, vemos como existe um espaço muito oportuno para que grandes spenders em inovação definam ainda mais fortemente uma agenda positiva como norte desses investimentos. Volkswagen e Roche, para focar nos maiores dos setores que destacamos acima, parecem estar alinhadas a esse modelo. Não está claro como o modelo de inovação dessas empresas têm funcionado, e quanto há de espaço para que os desafios globais sejam problematizados internamente.

A IBM aparece ainda compreendendo muito bem o tipo de problema que pode ajudar a resolver por meio das tecnologias que desenvolve. Diferente das demais, parece haver um esforço maior no posicionamento da empresa norte-americana, que busca encabeçar e experimentar diferentes aplicações da ideia de transformação digital. Num setor de grandes spenders em inovação e de receitas (e margens!) altas, pode haver um potencial aumentado para que essas empresas alcancem mais rapidamente soluções para problemas socioambientais.

Ser preditivo ou tentar arriscar quem serão os novos líderes em inovação ou sustentabilidade me parece contraproducente. O que existe é a necessidade de determinados setores acelerarem sua visão de impacto positivo, e o caminho para isso é mudar o foco da cultura e do ambiente de inovação. Se algumas empresas estão à frente e terão algum sucesso no futuro, isto o tempo dirá.

Victor Netto é sócio-executivo na rpt.estratégia.

Conduz projetos de consultoria em planejamento e estratégia, gosta de escrever e de ouvir opiniões. Me escreva: victornetto@rptestratégia.com.br

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