Centros de pesquisa e as verdadeiras inovações nas empresas

rpt.estratégia
6 min readMay 9, 2019

Inovação, logística, marketing, expansão? Qual estratégia das empresas para alocar seu capital neste momento de “baixa” do mercado? Alguns velhos dilemas nunca saem de moda e são prato cheio para os consultores. A recente inauguração de um centro de pesquisa e desenvolvimento da Procter and Gamble (P&G) sugere alguns passos dados no mercado de bens de consumo, que podem ser analisados ante os demais players do setor — a PepsiCo fez movimento parecido há 2 anos atrás e a Unilever apostou num novo ambiente de trabalho do time corporativo. Exploramos um pouco esses casos para refletirmos sobre alguns desafios na estratégia de inovação e desenvolvimento de produtos dessas empresas.

A P&G percebeu nos últimos anos a oportunidade de investimento em pesquisa e inovação e começou pela infraestrutura, com cerca de R$200 milhões num centro dedicado dentro da sua operação em Louveira, interior de São Paulo. Juliana Azevedo, a CEO da P&G no Brasil, destacou que um dos fatores para escolha do país para sediar o 14º laboratório de pesquisa da companhia no mundo foi pelo fato de o brasileiro ser um consumidor exigente. Podemos concordar com isso, mas também enxergar que as condições de crise ajudam a encontrar menores custos para essa instalação, sem falar no tamanho e diversidade do mercado, que favorecem pesquisas e testes. Durante a inauguração, a empresa mencionou método ágil, startup enxuta, impressora 3D, robôs, IoT, sensores e até biometria. Ao mesmo tempo, dizia também que os pesquisadores poderão avaliar o uso dos novos produtos em salas com vidros espelhados.

Se posso deixar uma sugestão a vocês: criem relações de confiança com o seu consumidor, a ponto de ele revelar tudo que gosta e não gosta no produto. Não faça dele um rato de laboratório. Salas espelhadas podem ter seu efeito, mas parece limitado pensar isto como um grande destaque de um centro de pesquisa.

inauguração do novo centro de pesquisa da P&G. Foto: época negócios

A promessa da P&G é ter maior integração com ONGs, parceiros e universidades. Este talvez seja o ponto fundamental e até mesmo prioritário: construir parcerias e colaboração. Utilizar seus ativos em favor da ciência e de uma leitura sobre o comportamento do consumidor e atenção aos desafios da sociedade. Um artigo da HBR de autoria da Foteini Agrafioti, especialista em inteligência aritficial, enfatiza: “Businesses working in closed environments need to reconsider that approach. If you are operating in this arena, it is up to you to prove your credentials and not the other way around”.

A 100 quilômetros dali, em Sorocaba, foi a PepsiCo que inaugurou, em 2017, um centro de P&D prometendo explorar a biodiversidade brasileira e desenvolver produtos mais saudáveis e com atributos socioambientais. Com investimento de US$ 25 milhões (aprox. R$82 milhões no câmbio da época), a PepsiCo reforçava sua visão de Performance com Propósito, prometendo oferecer “opções mais balanceadas, feitas com ingredientes locais”, falando ainda em cadeia de produção sustentável. É esperado, desta forma, que um centro de pesquisa contribua para maior eficiência e pluralidade no consumo dos ingredientes brasileiros, já que os principais insumos ainda são batata (120 mil ton/ano), milho, aveia e coco (aprox. 25 mil ton/ano, cada).

Me parece lenta e gradual a inserção das grandes indústrias de alimentos no mercado de produtos mais saudáveis. Ao negarem radicalizar sua produção, as empresas convivem com um portfólio que vai do snack de quinoa com leveduras macrobióticas ao ‘isopor’ de milho com corante amarelo-radioativo alergênico (permitam-me o exagero).

A estratégia global da PepsiCo batizada de ‘Performance with Purpose 2025 Agenda’ foi lançada em 2016 e prevê uma abordagem através da cadeia de valor, com metas que vão do abastecimento no campo, até uso e descarte dos produtos. Dessa forma, é fundamental que esse lead-time entre a investigação do comportamento de compra e a produção seja cada vez mais ágil e que todo esforço da empresa em pesquisa e desenvolvimento esteja pautado por essa estratégia. Do contrário, as ‘grandes inovações’ se reduzirão a uma nova cor de embalagem ou a uma nova propaganda “bem bolada”.

PepsiCo Sustainability Report 2017, p.8. disponível aqui.

Mesmo fora do seu centro de pesquisa, o movimento mais recente da Unilever neste tema foi a inauguração de uma nova sede em São Paulo. O espaço busca promover a criatividade, de modo que favoreçam inovação e integração, o que também pode ser considerado um elemento importante no desenvolvimento de produtos. É possível identificar todo o apelo da empresa para se alinhar a algumas tendências, como a “garagem de inovação” para testes de tecnologias como impressora 3D, realidade virtual e inteligência artificial. Uma iniciativa bacana que chama atenção com o novo espaço, apesar de nem tão nova, é um incentivo de micro-funding para boas ideias de colaboradores (“10 mil euros por ideia”).

nova sede da Unilever em São Paulo traz apelo à colaboração e cocriação. Foto: consumidor moderno

A Unilever também tem sua base de P&D no interior de São Paulo (na sua fábrica de Valinhos, a 90 km da capital) e, nesta área, sugere que sua renovação de portfólio “está ligada à busca por produtos que satisfaçam o consumidor e que tenham menor impacto socioambiental”. Perspectiva alinhada ao já conhecido Unilever Sustainable Living Plan (USLP, plano estratégico global de longo prazo da companhia e muito conectado à Agenda 2030, da ONU), também traz metas de insumos certificados, uso de concentrados e em programas como o NEP, voltado ao melhoramento nutricional dos produtos.

Pesquisa e comercialização andam juntas e devem entregar o plano.

Algo ainda pouco explorado pelas empresas é o de colaboração mais ativa e aberta, que acelere junto à academia e por meio de novas tecnologias, uma cultura de inovação mais competente. As perspectivas sobre a ‘inovação aberta’ continuam encantadoras, mas é claro que ainda há muito teste sobre como aplicar isso na sua empresa.

Falar em ‘internet das coisas’, digitalização, inteligência artificial, realidade aumentada etc. deve sempre estar orientado a um resultado prático — respeitando, é claro, todo tempo para o movimento de tentativa-acerto-erro que a inovação exige. É primordial que o desenvolvimento de novos produtos tenha consonância tanto com sua capacidade de venda (como, onde, para quem, por quanto, de que forma será entregue), quanto com suas ambições estratégicas de longo prazo. Quero dizer, não basta fazer produtos concentrados se eles são muito mais caros e ficam escondidos no PDV, com uma estratégia de venda pobre e um marketing tímido, “para não impactar muito” (como já ouvi de um profissional da área, certa vez). Quando produtos/serviços incríveis são criados, é papel dos líderes guiar a sua comercialização e, se há uma estratégia clara que direciona essa criação, é hora de arregaçar as mangas e fazer isso dar certo.

“To truly have impact and remain relevant in the market, it’s up to executive leaders to build the bridge between research and commercialization”. — novamente Foteini Agrafioti, no mesmo artigo acima citado.

Embora as empresas já desenvolvam um discurso apurado sobre inovação e colaboração, e tenham atrelado cada vez mais sua visão de desenvolvimento de produtos a atributos socioambientais, ainda não temos tanta visibilidade sobre o quanto esses ativos servem à estratégia.

Será que os espaços colaborativos da Unilever estão gerando soluções para reduzir pela metade seu impacto ambiental (meta do USLP), ou apenas correções no magenta do sorvete de morango?

Será que a P&G conseguirá gerar conhecimento científico em parcerias com Unicamp e a USP e, por exemplo, desenvolver produtos de limpeza que sejam catalizadores no tratamento de efluentes ao invés de poluentes? Ou suas inovações se restringirão a embalagens lindas, feitas com mais plástico ou de baixa reciclabilidade?

Poderia a PepsiCo, em parceria com o setor Agro, regenerar a diversidade de espécies de batatas (mais resistentes, mais saborosas etc.) ou apenas irá substituir o açúcar dos refrigerantes por substâncias proibidas em países fora do Brasil?

Já que gostamos de resumos…

  1. empresas impulsionam P&D e inovação por meio de laboratórios, novos espaços e novas tecnologias.
  2. há um esforço no discurso de colaboração, co-criação, engajamento e parcerias.
  3. empresas criam estratégias audaciosas (ou nem tanto) para influenciar positivamente a sociedade e o meio ambiente.
  4. permanece o desafio de que os espaços favoreçam a colaboração e vice-versa, e que a inovação que daí brota esteja orientada para resultados e impacto positivo, de fato (alinhamento estratégico de verdade).

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Victor Netto | sócio-executivo na rpt.estratégia

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